sábado, 2 de novembro de 2013

Verdade: Relativa ou absoluta?

  • Fora do terreno dos fatos simples e verificáveis, a certeza "Estou certo e você errado" é perigosa para os relacionamentos pessoais, bem como para as interações entre países, tribos, religiões, e assim por diante. 

  •  No entanto, se o fato de sustentarmos que estamos certos e os outros errados é uma das maneiras que o ego tem de se sentir fortalecido, se é um distúrbio mental que perpetua a separação e o conflito entre os seres humanos, isso significa que não existem comportamentos, atos nem credos certos ou errados? E não seria isso o relativismo (a crença de que não existe uma verdade absoluta para guiar o comportamento humano) que alguns ensinamentos cristãos contemporâneos consideram o grande mal da nossa época? 

  •  A história do cristianismo é um exemplo básico de como a crença de que estamos na isolada posição de detentores da verdade, ou seja, certos, pode corromper nossas ações e nossos comportamentos ao ponto da insanidade. Durante séculos, torturar e queimar pessoas vivas, caso sua opinião divergisse até mesmo da forma mais superficial da doutrina da Igreja ou de interpretações estreitas das Escrituras (a "verdade"), eram consideradas atitudes corretas porque as vítimas estavam "erradas". Elas estavam tão equivocadas que precisavam ser mortas. A verdade tinha mais importância do que a vida humana. E o que era a verdade? Uma história em que todos tinham de acreditar, ou seja, um punhado de pensamentos. 

  •  No grupo de um milhão de pessoas que Pol Pot, o ex-ditador do Camboja, mandou matar encontravam-se todos os que usavam óculos. Por quê? Porque, para ele, a interpretação marxista da história era a verdade absoluta, e, de acordo com sua versão da verdade, aqueles que usavam óculos pertenciam à classe instruída - eram os burgueses, os exploradores dos camponeses. Eles precisavam ser eliminados para dar espaço a uma nova ordem social. A verdade dele era também um punhado de pensamentos. 

  •  A Igreja Católica e outras religiões estão certas quando apontam o relativismo como um dos demônios do nosso tempo. No entanto, não encontraremos a verdade absoluta se a procurarmos onde ela não está: em doutrinas, ideologias, conjuntos de leis ou histórias. O que todas essas coisas têm em comum? Elas se constituem de pensamentos. Na melhor das hipóteses, o pensamento indica a verdade, contudo nunca / a verdade. É por isso que os budistas dizem que "o dedo apontando para a Lua não é a Lua". Todas as religiões podem ser falsas e verdadeiras, dependendo de como as usamos. Cabe a nós colocá-las a serviço do ego ou da verdade. Se acreditamos que apenas nossa religião é a verdade, nós a estamos utilizando em prol do ego. Empregado dessa maneira, o credo torna-se uma ideologia e cria uma sensação ilusória de superioridade assim como de divisão e conflito entre as pessoas. Quando trabalham para a verdade, os ensinamentos religiosos representam pontos de sinalização ou mapas que pessoas conscientes deixam no caminho para nos ajudar a despertar espiritualmente, isto é, a nos tornarmos livres da identificação com a forma.

  •  Existe apenas uma verdade absoluta, e todas as outras verdades emanam dela. Quando a encontramos, nossas ações acontecem em sintonia com ela. A ação humana pode refletir a verdade ou a ilusão. Será que é possível colocar a verdade em palavras? Sim, porém as palavras não são a verdade. Elas apenas a indicam.

  •  A verdade é inseparável de quem nós somos. Sim, você / a verdade. Sempre que a procurar em outro lugar, acabará decepcionado. O próprio Ser que é você é a verdade. Jesus tentou mostrar isso quando disse: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida."2 Essas palavras são um dos mais poderosos e diretos indicadores da verdade desde que entendidas corretamente. Se mal interpretadas, tornam-se um grande obstáculo. Jesus fala do Ser mais interior, da essência da identidade de cada homem ou mulher -na verdade, de toda forma de vida. Ele se refere à vida que nós somos. Alguns místicos cristãos chamam isso de "o Cristo interior"; os budistas o denominam "natureza de Buda"; para os hinduístas, é o atmã, a essência divina. Quando entramos em contato com essa dimensão que trazemos dentro de nós - e isso é nosso estado natural, e não uma conquista milagrosa -, todas as ações que praticamos e os relacionamentos que estabelecemos refletem o estado de unificação com a Vida Única que sentimos em nosso interior. Isso é amor. Leis, mandamentos, normas e regulamentos são necessários para aqueles que estão separados de quem eles são, da sua verdade interna. Essas regras destinam-se a evitar os piores excessos do ego, porém, em geral, não são capazes sequer de fazer isso. "Ame e faça o que quiser", disse Santo Agostinho. As palavras não conseguem chegar mais perto da verdade do que isso.

Nenhum comentário:

Postar um comentário