sexta-feira, 8 de novembro de 2013

A descoberta do espaço interior


  • Segundo uma antiga história sufista, havia um rei num território do Oriente Médio que estava sempre dividido entre a felicidade e o desalento. A menor coisa era capaz de lhe causar grande aborrecimento ou uma reação intensa, e assim sua felicidade se convertia rapidamente em frustração e desespero. Por fim, houve um momento em que ele se cansou de si mesmo e da vida e começou a buscar uma saída. Mandou chamar um sábio que vivia no reino e que tinha a fama de ser iluminado. Quando o sábio chegou, o rei lhe disse:

  •  - Quero ser como você. Pode me dar alguma coisa que traga equilíbrio, serenidade e sabedoria à minha vida? Pago o preço que você pedir por isso.

  •  O sábio respondeu: - Talvez eu possa ajudá-lo. Mas o preço é tão alto que nem todo o seu reino seria suficiente para pagá-lo. Então, vou lhe dar isso como um presente, desde que você honre o compromisso. 

  •  O rei lhe garantiu que sim e o sábio se foi.

  •  Algumas semanas depois, ele retornou e entregou ao rei uma caixa decorada e com entalhes de jade. O rei a abriu e encontrou ali um simples anel de ouro. Havia algumas letras gravadas nele. A inscrição dizia: "Isto também passará."

  •  - O que significa isto? - perguntou o rei. 
  • O sábio respondeu:
  •  - Use sempre este anel. Seja o que for que aconteça, antes de considerar esse evento bom ou mau, toque o anel e leia a inscrição. Assim, você viverá sempre em paz.

  •  "Isto também passará" - o que essas palavras simples têm que as torna tão poderosas? Numa consideração superficial, a impressão é de que elas são capazes de dar algum conforto numa situação difícil, mas que também podem diminuir o prazer das boas coisas da vida. "Não seja feliz demais porque não vai durar." Isso parece ser o que elas estão dizendo quando aplicadas a uma circunstância tida como positiva.

  •  Toda a importância dessa frase se torna clara quando a consideramos no contexto de duas outras histórias que mencionei anteriormente. A do mestre zen, cuja única resposta era "É mesmo?", mostra o bem proporcionado pela não-resistência interior aos acontecimentos, ou seja, por estarmos unificados com o que acontece. A história do homem cujo comentário era sempre "Talvez" ilustra a sabedoria do não-julgamento, enquanto a do anel destaca a transitoriedade que, quando reconhecida, leva ao desapego. Não-resistência, não-julgamento e desapego são os três aspectos da verdadeira liberdade e de uma vida iluminada.

  •  As palavras inscritas no anel não dizem que não devemos aproveitar as coisas boas da vida nem visam apenas proporcionar conforto em momentos de dor. Sua finalidade principal é nos tornar conscientes de que as situações são sempre efêmeras, o que se deve à transitoriedade de todas as formas - boas ou más. Quando reconhecemos isso, nosso apego diminui e praticamente deixamos de nos identificar com as formas. O desapego não nos impede de desfrutar as coisas boas que o mundo tem a oferecer. Na verdade, passamos a usufruí-las muito mais. Depois que compreendemos e aceitamos a impermanencia de tudo o que existe e a inevitabilidade da mudança, conseguimos aproveitar os prazeres enquanto eles duram, mas agora livres do medo da perda e da ansiedade quanto ao futuro. Com o desapego desenvolvemos um ponto de vista privilegiado que nos permite observar os acontecimentos em vez de ficarmos presos dentro deles. E como se nos tornássemos um astronauta que vê a Terra cercada pela vastidão do espaço e compreende uma verdade paradoxal: nosso planeta é precioso e ao mesmo tempo insignificante. O reconhecimento de que "Isto também passará" produz esse distanciamento e, com ele, nossa vida ganha mais uma dimensão - o espaço interior. Por meio do desapego, assim como do não-julgamento e da não-resistência interior, obtemos acesso a essa dimensão.

  •  Quando não estamos mais totalmente identificados com as formas, a consciência - quem nós somos - se vê livre do seu aprisionamento na forma. Essa liberdade é o surgimento do espaço interior. Ele chega como um estado de silêncio e calma, uma paz sutil enraizada dentro de nós, mesmo diante de algo que parece mau - "Isto também passará". De repente existe espaço em torno do acontecimento. Há também espaço ao redor dos altos e baixos emocionais, até mesmo da dor. E, acima de tudo, existe espaço entre nossos pensamentos. E, desse espaço, emana uma paz que não é "deste mundo", porque este mundo é forma, enquanto a paz é espaço. Essa é a paz de Deus.

  •  Agora podemos desfrutar e estimar as coisas e os eventos sem lhes atribuir uma importância que eles não possuem. Temos condições de participar da dança da criação e sermos ativos sem nos apegarmos ao resultado e sem impormos exigências pouco razoáveis em relação ao mundo, como satisfaça-me, faça-me feliz, faça-me sentir seguro, diga-me quem sou. O mundo não pode nos dar nada disso e, quando deixamos de ter essas expectativas, todo o sofrimento que nós mesmos criamos chega ao fim. Toda essa dor se deve à valorização exagerada da forma e à falta de consciência quanto à dimensão do espaço interior. Quando essa dimensão está presente na nossa vida, podemos aproveitar as coisas, as experiências e os prazeres sensoriais sem nos perdermos neles, sem nos apegarmos internamente a nada disso, isto é, sem nos tornarmos viciados no mundo.

  •  A mensagem "Isto também passará" é um instrumento de orientação em relação à realidade. Ao indicar a transitoriedade de todas as formas, ela também aponta implicitamente para o eterno. Apenas o eterno dentro de nós reconhece o efêmero como efêmero.

  •  Sempre que a dimensão do espaço se perde ou não é conhecida, as coisas assumem uma importância absoluta, uma seriedade e um peso que, na verdade, elas não possuem. Toda vez que o mundo não é visto da perspectiva do que não tem forma, ele se torna um lugar ameaçador e, em última análise, de desespero. O profeta do Antigo Testamento sentiu isso quando escreveu: "Todas as coisas se afadigam, e mais do que se pode dizer."1

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