domingo, 10 de novembro de 2013

Um diálogo sobre o propósito interior


  • O diálogo a seguir condensa uma série de conversas que tive com pessoas que estavam buscando o propósito da própria vida. Algo é verdadeiro quando faz eco ao que existe no íntimo do nosso Ser e o expressa, isto é, quando está alinhado com nosso propósito interior. É por isso que, primeiro, dirijo a atenção delas para seu propósito interior e primário.

  •  Não sei exatamente o que seria, mas desejo uma mudança na minha vida. Quero crescer, fazer alguma coisa significativa e, sim, almejo a prosperidade e a liberdade que ela traz. Tenho vontade de realizar algo importante, uma coisa que faça diferença no mundo. Mas, se você me perguntar o que é isso, não sei dizer. Você pode me ajudar a descobrir o propósito da minha vida?

  •  Seu propósito é se sentar aqui e conversar comigo, porque é onde você está e é o que está fazendo. Até que se levante e se ocupe de outra coisa. Então aquilo se tornará seu propósito. Então meu propósito é me sentar no meu escritório pelos próximos 30 anos até me aposentar ou ser posto para fora?

  •  Você não está no seu escritório agora, portanto esse não é seu propósito. Quando você se senta lá e faz qualquer coisa que seja, esse é seu propósito. Não para os próximos 30 anos, mas naquele momento.

  •  Acho que existe um mal-entendido neste caso. Para você, propósito corresponde ao que estou fazendo agora, enquanto para mim significa ter um objetivo global na vida, algo grande e importante que dê sentido ao que eu realizo, alguma coisa que faça diferença. E isso não é ficar lidando com papéis no escritório. Eu sei disso.

  •  Enquanto estiver inconsciente do Ser, você buscará o significado apenas dentro da dimensão do fazer e no futuro, ou seja, na dimensão do .tempo. E qualquer coisa significativa ou satisfatória que encontre vai se dissolver ou se revelar uma decepção. Provavelmente, será destruída pelo tempo. Todo sentido que descobrimos nesse nível só é verdadeiro de modo relativo e temporário.

  •  Por exemplo, se cuidar dos seus filhos dá sentido à sua vida, o que acontecerá com esse significado quando eles não precisarem mais de você e talvez nem sequer o escutem mais? Se ajudar as pessoas dá significado à sua vida, você depende do fato de que elas sejam piores do que você para que sua vida continue a ter sentido e você possa se sentir bem em relação a si mesmo. Suponha que o desejo de ser bem-sucedido ou o melhor em determinada atividade lhe proporcione significado. O que acontecerá se você nunca conseguir vencer ou se seu sucesso acabar um dia? Terá que recorrer à sua imaginação ou às lembranças -coisas muito insatisfatórias para dar sentido à sua vida. "Sair-se bem" em qualquer campo só terá valor se existirem milhares ou milhões de outros indivíduos que não consigam ter êxito. Portanto, você precisará que outros seres humanos "fracassem" para que sua vida possa ter significado. 

  •  Não estou dizendo que ajudar os outros, cuidar dos filhos e se esforçar para ser o melhor numa área sejam coisas que não valham a pena. Para muitas pessoas, elas são uma parte importante do seu propósito exterior, porém esse propósito sozinho é sempre relativo, instável e transitório. Em todo caso, isso não quer dizer que você não deva se envolver nessas atividades, mas que precisa ligá-las a seu propósito primário, interior, para que um sentido profundo flua para aquilo que você faz. 

  •  Se você vive sem estar alinhado com seu propósito primário, qualquer que seja o propósito que estabeleça para sua vida, até mesmo o de criar o Céu na Terra, será propriedade do ego ou acabará destruído pelo tempo. Cedo ou tarde, ele levará ao sofrimento. Caso você ignore seu propósito interior, não importa o que faça, mesmo que seja algo aparentemente espiritual, o ego vai se instalar no modo como você o executa, e assim o meio corromperá o fim. O ditado "O caminho para o inferno é pavimentado com boas intenções" aponta para essa verdade. Em outras palavras, nem seus objetivos nem suas ações são primários, somente o estado de consciência que os acompanha. A satisfação do propósito primário estabelece a base para uma nova realidade, uma nova Terra. Depois que esse alicerce passa a existir, seu propósito exterior se torna carregado de poder espiritual porque seus objetivos e suas intenções estarão unidos ao impulso evolucionário do universo.

  •  A separação entre o pensamento e a consciência, que está no centro do seu propósito primário, acontece através da negação do tempo. Não estou falando, é claro, do tempo usado para fins práticos, como marcar uma consulta. Não se trata do tempo do relógio, mas do tempo psicológico, que é o hábito arraigado da mente de buscar a plenitude da vida no futuro, onde não pode ser encontrada, e ignorar o único ponto de acesso a ela: o momento presente.

  •  Quando vê aquilo que está fazendo ou o lugar em que está como o propósito principal da sua vida, você nega o tempo. Isso lhe dá um poder imenso. A negação do tempo naquilo que está sendo realizado também fornece a ligação entre seus propósitos interior e exterior, entre ser e fazer. Sempre que nega o tempo, você nega o ego. Não importa a atividade que esteja executando, você a desenvolverá extraordinariamente bem porque o fazer em si passa a ser o ponto focal da sua atenção. Sua ação se torna então um canal pelo qual a consciência entra no mundo. Isso significa que existe qualidade no que você faz, mesmo no ato mais simples, como virar as páginas do catálogo telefônico ou atravessar a sala. O propósito principal de virar as páginas é virar as páginas; o propósito secundário é encontrar um número de telefone. O propósito principal de atravessar a sala é atravessar a sala; o propósito secundário é apanhar um livro na outra extremidade - e, no instante em que você o pega, isso se torna seu propósito principal. 

  •  Você deve estar lembrado do paradoxo do tempo que mencionei: qualquer coisa que façamos requer tempo; ainda assim, é sempre agora. Então, enquanto seu propósito interior é negar o tempo, seu propósito exterior envolve necessariamente o futuro e, assim, este último não poderia existir sem o tempo. Mas ele é sempre secundário. Toda vez que você fica ansioso ou estressado, isso mostra que o propósito exterior assumiu o controle e que você perdeu o propósito interior de vista. Terá se esquecido de que seu estado de consciência é primário, e todo o resto, secundário. Viver assim não me impediria de pretender alcançar algo importante? Meu medo é passar o resto da vida fazendo coisas pequenas, atividades que não têm nenhuma relevância. Tenho receio de jamais superar a mediocridade, de nunca ousar conquistar algo grandioso, de não satisfazer meu potencial.

  •  Aquilo que é notável surge das pequenas coisas que são dignificadas e tratadas com atenção. A vida de todos nós consiste, sem dúvida, em pequenas coisas. A grandiosidade é uma abstração mental e a fantasia favorita do ego. O paradoxo é que a base para alcançá-la é o respeito pelas pequenas coisas do momento presente, e não a perseguição da idéia de grandeza. O momento presente é sempre pequeno no sentido de que é simples, mas, escondido dentro dele, está o poder maior. Assim como o átomo, ele é uma das menores coisas, no entanto é extraordinariamente poderoso. Nós só temos acesso a esse poder quando nos alinhamos com o momento presente. Talvez seja mais apropriado dizer que ele tem acesso a nós e, por nosso intermédio, ao mundo. Jesus estava se referindo a esse poder quando afirmou: "De mim mesmo não posso fazer coisa alguma" e "Não credes que estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras".1 Ansiedade, tensão contínua e negativismo nos tiram essa força. A ilusão de que estamos separados do poder que conduz o universo retorna. Outra vez nos sentimos sozinhos, lutando contra algo ou tentando alcançar um objetivo qualquer. Contudo, o que desencadeou a ansiedade, a tensão ou o negativismo? Nosso afastamento do momento presente. E por que fizemos isso? Porque pensamos que outra coisa era mais importante. Acabamos por nos esquecer do propósito primário. Um pequeno erro, uma interpretação equivocada... um mundo de sofrimento.

  •  O momento presente garante nosso acesso ao poder da vida propriamente dito, aquele que tem sido chamado de "Deus". Assim que nos distanciamos dele, Deus pára de ser uma realidade para nós e tudo o que nos resta é o conceito mental de Deus, algo em que algumas pessoas acreditam, mas que é negado por outras. Até mesmo a crença Nele não passa de um precário substituto da Sua realidade viva que se manifesta a cada momento na nossa vida. 

  •  A total harmonia com o momento presente não requer a cessação de todo movimento? Sendo assim, talvez a existência de qualquer meta implique uma ruptura temporária dessa harmonia com o momento presente e seu restabelecimento num nível superior ou mais complexo depois que o objetivo é alcançado. Imagino que nem o broto que cresce a partir do sob se mantém inteiramente alinhado com o momento presente porque ele tem uma meta: quer se tornar uma árvore. Pode ser que depois de atingir a maturidade ele viva em harmonia com o momento presente.

  •  O broto não quer nada porque ele e a totalidade são uma coisa só, e a totalidade age por meio dele. "...Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão, no auge de sua glória, não se vestiu como um deles."2 Poderíamos dizer que a totalidade - a Vida -quer que o broto se torne uma árvore, no entanto ele não se vê separado da vida e, assim, não deseja nada para si. O broto e o que a Vida quer estão unificados. É por isso que ele não está preocupado nem estressado. E, se tiver que morrer prematuramente, morrerá com tranqüilidade. Será tão resignado na morte quanto foi na vida. Ele sente, por mais obscuro que isso pareça, que está enraizado no Ser, a Vida Única sem forma e eterna

  • . Assim como os antigos sábios taoístas da China, Jesus gosta de chamar nossa atenção para a natureza porque a vê sob a ação de uma força com a qual as pessoas perderam contato - o poder criativo do universo. Ele prossegue dizendo que, se Deus veste simples flores com tamanha beleza, então podemos imaginar que Ele nos vestirá com muito mais. Ou seja, embora a natureza seja uma maravilhosa expressão do impulso evolucionário do universo, quando os seres humanos se tornam alinhados com a inteligência que está por trás deles, manifestam esse mesmo impulso num nível superior e ainda mais esplendoroso. 

  •  Portanto, seja verdadeiro em relação à vida sendo verdadeiro em relação ao seu propósito interior. Quando você se torna presente e, portanto, permanece por inteiro naquilo que faz, suas ações ficam carregadas de energia espiritual. A princípio, pode não haver uma mudança notável no que você realiza, mas apenas no seu modo de execução. Seu propósito primário agora é permitir que a consciência penetre no que você faz. O propósito secundário é tudo o que você alcançar por meio do fazer. Se antes a noção de propósito estava sempre associada ao futuro, agora existe um propósito mais profundo que só pode ser encontrado no presente, pela negação do tempo. 

  •  Quando se encontrar com as pessoas, no trabalho ou em qualquer outro lugar, dê a elas o máximo de atenção. Você já não estará ali como um indivíduo, e sim como um campo de consciência, de presença alerta. O motivo original da sua interação com o outro - comprar ou vender alguma coisa, pedir ou dar informações, por exemplo - é agora secundário. O campo de consciência que se forma entre vocês se estabelece como o propósito primário da interação. Esse espaço de consciência adquire uma relevância muito maior do que qualquer assunto sobre o qual vocês possam estar falando e do que os objetos físicos ou imaginados. O Ser humano passa a ser mais importante do que as coisas deste mundo. Isso não significa que você vá se descuidar do que precisa ser feito no nível prático. Na verdade, a execução das coisas não só fica mais fácil como se desenrola com mais energia quando a dimensão do Ser é reconhecida e, assim, se torna primária. O surgimento desse campo unificado de consciência entre as pessoas é o fator essencial dos relacionamentos na nova Terra.

  •  A noção de sucesso é apenas uma ilusão do ego? Como podemos medir o verdadeiro sucesso? 

  •  O mundo lhe dirá que o sucesso é alcançar o que você se propôs fazer. E isso o fará crer que o sucesso é vencer, que o reconhecimento e/ou a prosperidade são ingredientes essenciais do êxito. No entanto, todos ou alguns desses conceitos costumam ser apenas subprodutos do sucesso. A noção convencional do sucesso refere-se ao resultado daquilo que fazemos. Alguns dizem que ele é o efeito de uma combinação de muito trabalho e sorte, de determinação e talento ou de estarmos no lugar certo na hora certa. Embora esses elementos possam ser fatores determinantes do sucesso, eles não são sua essência. O que o mundo não lhe diz - porque ele não sabe - é que você não pode se tornar alguém bem-sucedido. Você só pode ser bem- sucedido. Não permita que um mundo louco lhe diga que o sucesso é alguma coisa diferente de um momento presente pleno de êxito. E o que é isso? Existe um sentido de qualidade no que você faz, até mesmo no gesto mais simples. Qualidade pressupõe cuidado e atenção, elementos que acompanham a consciência. A qualidade requer sua presença.

  •  Digamos que você seja um empresário e que, depois de dois anos de muita tensão e preocupações, finalmente consegue oferecer um produto ou serviço que vende bem e dá lucro. Sucesso? Em termos convencionais, sim. Mas, na realidade, você passou dois anos poluindo seu corpo, assim como a Terra, com energia negativa, causou sofrimento a si mesmo e às pessoas ao seu redor e afetou muita gente que nem sequer chegou a conhecer. O pressuposto inconsciente por trás de toda ação desse tipo é que o sucesso é um acontecimento do futuro e que o fim justifica os meios. Contudo, o fim e os meios são uma coisa só. E, se os meios não contribuírem para a felicidade humana, tampouco o fim fará isso. O resultado, que é inseparável dos atos que o tornaram possível, já está contaminado por eles e, assim, criará mais infelicidade. Isso é ação cármica, que é a perpetuação inconsciente da infelicidade.

  •  Como você já sabe, seu propósito secundário, ou exterior, situa-se na dimensão do tempo, enquanto seu propósito principal é inseparável do Agora e, portanto, requer a negação do tempo. Como eles podem ser reconciliados? Compreendendo que a jornada de toda a sua vida consiste, em última análise, no passo que você está dando no momento presente. Dessa forma, dirigirá a ele sua máxima atenção. Isso não significa que você não saiba aonde pretende chegar, mas apenas que esse passo é primário, enquanto seu destino é secundário. E aquilo que você vai encontrar quando alcançar seu destino dependerá da qualidade desse primeiro passo. Outra maneira de considerar esse ponto: o que o futuro lhe reserva é fruto do seu estado de consciência agora.

  •  O sucesso ocorre quando o fazer é investido da qualidade perene do Ser. A menos que o Ser flua para o fazer, a não ser que esteja presente, você se perde em qualquer coisa que faça. E também no pensamento, assim como nas suas reações ao que acontece externamente. O que você quer dizer exatamente com "você se perde"? 

  •  A essência de quem nós somos é a consciência. Quando ela (você) estabelece uma completa identificação com o pensamento e assim se esquece da sua natureza essencial, acaba se perdendo no pensamento. Toda vez que se identifica com as formações mentais e emocionais, como o desejo e o temor - as forças motivadoras primárias do ego -, ela desaparece nessas formações. Isso também ocorre sempre que a consciência se identifica com a ação e a reação ao que acontece. Todos os pensamentos, desejos e medos, bem como todas as ações e reações, são então impregnados de um falso sentido do eu que, por ser incapaz de sentir a alegria simples do Ser, busca o prazer e, algumas vezes, até mesmo a dor, como substitutos desse contentamento. Isso é viver num estado de esquecimento do Ser, de quem nós somos. Assim, todo sucesso não é mais do que uma ilusão passageira. Não importa o que conquistemos, logo estaremos infelizes outra vez ou um novo problema ou dilema absorverá nossa atenção inteiramente.

  •  De que maneira eu passo da compreensão do meu propósito interior para a descoberta do que devo fazer no nível exterior?

  •  O propósito exterior varia significativamente de pessoa para pessoa e nunca dura para sempre. Ele é submetido ao tempo e depois é substituído por outro propósito. A extensão em que as circunstâncias externas da vida são modificadas pela dedicação ao propósito interior do despertar também varia bastante. No caso de alguns indivíduos ocorre um rompimento repentino ou gradual com o passado. Seu trabalho, sua condição de vida, seus relacionamentos, tudo isso passa por uma profunda transformação. Às vezes, eles próprios dão início a certas mudanças que, em vez de envolverem um doloroso processo de tomada de decisão, surgem de uma compreensão ou de um reconhecimento súbito: "é isto o que eu preciso fazer". É como se suas decisões fossem, digamos, pré-fabricadas. Elas chegam através da consciência, e não do pensamento. A pessoa acorda numa manhã e sabe o que fazer. Há quem se surpreenda abandonando um ambiente de trabalho ou uma condição de vida hostil e sem sentido. Assim, antes de descobrir o que é certo para você no nível exterior, de detectar o que funciona, o que é compatível com a consciência desperta, talvez você precise identificar o que não está correto, o que já não produz efeito, o que não se harmoniza com seu propósito interior.

  •  Outros tipos de mudança podem lhe acontecer de repente a partir do exterior. Um encontro casual traz uma nova oportunidade e uma possibilidade de expansão para sua vida. Um obstáculo ou conflito de longa data se dissolvem. Seus amigos ou passam por essa transformação interior com você ou desaparecem da sua vida. Alguns relacionamentos terminam, outros se aprofundam. Você pode ser demitido da empresa ou se tornar um agente de mudanças positivas no local de trabalho. Seu cônjuge o deixa ou vocês chegam a um novo nível de intimidade. Alguns desses fatos talvez pareçam negativos na superfície, porém você logo compreende que um espaço está sendo criado na sua vida para o surgimento de algo novo.

  •  Poderá haver um período de insegurança e incerteza. "O que eu devo fazer?" Como o ego deixou de controlar sua vida, a necessidade psicológica de segurança externa, que é ilusória de qualquer maneira, diminui. Você se torna capaz de viver com a incerteza e até de gostar dela. Com isso, infinitas possibilidades se abrem à sua frente. Isso mostra que o medo já não é um fator dominante no que você faz e não o impede mais de tomar atitudes para iniciar a mudança. O filósofo romano Tácito observou com toda a propriedade que "o desejo de segurança é um obstáculo a todo grande e nobre empreendimento". Se a incerteza é inaceitável para você, ela se transforma em medo. Caso seja perfeitamente aceitável, ela vai aumentando aos poucos sua animação, seu estado de alerta e sua criatividade. 

  •  Muitos anos atrás, seguindo um forte impulso interior, abandonei uma carreira acadêmica que o mundo teria chamado de "promissora" e, assim, ingressei na mais completa incerteza. Disso se originou minha nova encarnação como mestre espiritual tempos depois. Algo semelhante aconteceu de novo bem mais tarde. Também por causa de um impulso, abandonei minha casa na Inglaterra e me mudei para a Costa Oeste dos Estados Unidos. Obedeci a esse impulso, embora desconhecesse sua razão. Dessa opção pela incerteza surgiu meu livro 0 Poder do Agora, que em sua maior parte foi escrito na Califórnia e em British Columbia, no Canadá. Nessa época, eu não tinha casa própria nem recebia salário, vivia de economias, que foram se esgotando com a maior rapidez. Na verdade, tudo se encaixou maravilhosamente. Fiquei sem dinheiro no exato momento em que estava acabando de escrever o livro. Comprei um bilhete de loteria e ganhei mil dólares, o que me garantiu o sustento por mais um mês. 

  •  Nem todas as pessoas, porém, passam por uma mudança tão drástica no que diz respeito às circunstâncias externas. Na outra extremidade do espectro há indivíduos que permanecem exatamente onde estão e continuam fazendo a mesma coisa de sempre. Para eles, apenas o como muda, e não o quê. E não por medo ou inércia. O que eles estão realizando já é um veículo perfeito para a consciência entrar no mundo, e ela não precisa de outro. Essas pessoas também contribuem para a manifestação da nova Terra. Isso não deveria acontecer com todo mundo? Se satisfazer nosso propósito interior é estarmos alinhados com o momento pensante, por que alguém deveria sentir necessidade de abandonar seu trabalho ou sua condição de vida atual? Estar alinhado com o que é não significa que a pessoa não vá iniciar a mudança nem que se torne incapaz de agir. A motivação para tomar atitudes, no entanto, vem de um nível mais profundo, e não do desejo nem do medo próprios do ego. O ajuste interior com o momento presente abre a consciência e a coloca em sintonia com o todo, do qual o Agora é parte integrante. O todo, a totalidade da vida, entra assim em ação por intermédio do indivíduo. 

  •  O que você quer dizer com o todo? Por um lado, o todo compreende tudo o que existe. É o mundo ou o cosmo. Entretanto, todas as coisas existentes, dos micróbios aos seres humanos e às galáxias, não são realmente coisas, ou entidades separadas - elas constituem parte de uma teia de processos multidimensionais interligados. 

  •  Nós não reconhecemos essa unidade, isto é, só vemos as coisas como elementos isolados. Isso ocorre por duas razões. Uma delas é a percepção, que reduz a realidade àquilo a que temos acesso por meio da pequena extensão dos nossos sentidos: o que podemos ver, ouvir, cheirar, provar e tocar. No entanto, quando somos capazes de perceber sem interpretar ou rotular mentalmente, ou seja, sem acrescentar o pensamento às percepções, conseguimos sentir de fato a interconexão mais profunda sob a percepção da aparente separação das coisas. 

  •  A outra razão mais séria para a ilusão da separação é o pensamento compulsivo. Quando estamos presos a fluxos incessantes de pensamento compulsivo, de fato o universo se desintegra para nós e perdemos a capacidade de sentir a interconexão entre tudo o que existe. O pensamento desmembra a realidade em fragmentos sem vida. Dessa visão fracionada se originam ações extremamente insensatas e destrutivas.

  •  Entretanto, existe um nível ainda mais profundo do todo que é a interconexão de tudo o que existe. Nele todas as coisas são uma só. Isso é a Origem, a Vida não manifestada. É a inteligência infinita que se expressa como um universo se desdobrando no tempo.

  •  O todo é constituído da existência e do Ser, o manifestado e o não- manifestado, o mundo e Deus. Assim, ao nos alinharmos com o todo, nos tornamos uma parte consciente da sua interconexão e do seu propósito: o surgimento da consciência no mundo. Por causa disso, incidentes favoráveis, encontros casuais, coincidências e acontecimentos sincrônicos ocorrem com muito mais freqüência. Carl Jung chamou a sincronicidade de "princípio não causal de conexão". Isso significa que não existe ligação causal entre eventos sincrônicos no nível superficial da realidade. Trata-se de uma manifestação exterior de uma inteligência subjacente por trás do mundo das aparências e de uma conectividade mais profunda que nossa mente não é capaz de entender. Mas podemos ser participantes conscientes do desdobramento dessa inteligência, a consciência florescente. 

  •  A natureza existe num estado de unificação inconsciente com o todo. Foi por isso, por exemplo, que praticamente nenhum animal selvagem morreu durante o catastrófico tsunami de 2004. Como eles estão mais em contato com a totalidade do que os seres humanos, conseguiram sentir a aproximação da onda muito tempo antes de ela ser vista ou ouvida e, assim, tiveram chance de se deslocar para um terreno mais elevado. E provável que eles tenham apenas se visto partindo para um lugar mais alto. Fazer isto por causa daquilo é o modo como a mente humana fragmenta a realidade, enquanto a natureza vive na unificação inconsciente com o todo. E nosso propósito e destino trazer uma nova dimensão para este mundo vivendo no estado de unificação consciente com a totalidade e num alinhamento consciente com a inteligência universal.

  •  O todo pode usar a mente humana para criar coisas ou produzir situações que estão alinhadas com seu propósito? Sim, sempre que existe inspiração, que significa "em espírito", e entusiasmo, que quer dizer "em Deus", está em ação um poder criativo que vai muito além do que uma simples pessoa é capaz.

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