domingo, 10 de novembro de 2013

O despertar e o movimento de retorno


  • O movimento de retorno na vida de uma pessoa, o enfraquecimento ou a dissolução da forma, seja por meio do envelhecimento, da doença, da incapacidade, da perda ou de algum tipo de tragédia pessoal, contém um grande potencial para o despertai espiritual - o rompimento da identificação da consciência com a forma. Considerando o fato de que não há muita verdade espiritual na cultura contemporânea, poucas são as pessoas que reconhecem esses eventos como uma oportunidade. Assim, quando eles acontecem com elas ou com alguém próximo, sua crença é de que existe algo terrivelmente errado, alguma coisa que não deveria estar ocorrendo.

  •  Na nossa civilização existe um profundo desconhecimento da condição humana. E, quanto mais ignorantes somos em termos espirituais, mais sofremos. Para um grande número de pessoas, sobretudo no Ocidente, a morte não passa de um conceito abstrato. Assim, elas não fazem idéia do que acontece com a forma humana quando ela se aproxima da dissolução. Muitos indivíduos debilitados e velhos são trancafiados em asilos. Os cadáveres, que, em algumas culturas mais antigas, permanecem em exibição para que todos os vejam, são escondidos. Nos Estados Unidos e em outros países desenvolvidos, quem tenta ver um cadáver descobre que isso é virtualmente ilegal, a não ser que o morto seja seu parente próximo. Nas casas funerárias chega-se a maquiar o rosto dos defuntos. Só nos permitem ver uma versão limpa e bem arrumada da morte.

  •  Uma vez que a morte é apenas um conceito abstrato para essas pessoas, a maioria delas está totalmente despreparada para a dissolução da sua própria forma. Quando esse momento se aproxima, há choque, incompreensão, desespero e grande medo. Nada mais faz sentido porque, para elas, todo o significado, todo o propósito da vida estava associado a acumular, ter sucesso, construir, proteger e sentir-se gratificado. Ele estava vinculado ao movimento de saída e à identificação com a forma, isto é, com o ego. A maior parte dos seres humanos não é capaz de ver nenhum sentido quando sua vida, seu mundo, está sendo demolido. Mesmo assim, esse momento contém um significado potencialmente ainda mais profundo do que o movimento de saída.

  •  E precisamente com a chegada da velhice, com a vivência de uma perda ou de uma tragédia pessoal que a dimensão espiritual entra na vida das pessoas. Ou seja, seu propósito interior só aparece quando seu propósito exterior entra em colapso e a concha do ego começa a rachar. Esses acontecimentos representam o início do movimento de retorno em direção à dissolução da forma. Nas culturas mais antigas, deve ter havido uma compreensão intuitiva desse processo, e é por isso que os idosos eram respeitados e reverenciados. Eles eram os repositórios da sabedoria e ofereciam a dimensão da profundidade, sem a qual nenhuma civilização pode sobreviver por muito tempo. Na nossa cultura, que é totalmente identificada com o exterior e desconhece a dimensão interior do espírito, a palavra "velho" tem muitas conotações negativas, como obsoleto ou ultrapassado. Assim, consideramos quase um insulto chamar alguém de velho. Para evitar isso, usamos eufemismos como idoso ou antigo. Por que os velhos são considerados obsoletos? Porque na velhice a ênfase muda do fazer para o Ser, e nossa civilização, que está perdida no fazer, não sabe nada do Ser. Ela pergunta: "Ser? O que se faz com isso?" 

  •  No caso de algumas pessoas, o movimento de saída, do crescimento e da expansão, é interrompido de modo radical pela chegada aparentemente prematura do movimento de retorno, a dissolução da forma. Às vezes é uma suspensão temporária; outras vezes, permanente. Acreditamos que as crianças não deveriam ter que encarar a morte, no entanto o fato é que algumas delas têm que enfrentar o falecimento de um dos pais ou de ambos em razão de uma doença ou de um acidente - ou até mesmo a possibilidade da sua própria morte. Existem crianças que nascem com deficiências que impõem uma restrição severa à expansão natural da sua vida. Assim como há pessoas que se vêem diante de uma limitação grave quando ainda têm pouca idade.

  •  A interrupção do movimento de saída num momento em que isso "não deveria acontecer" também tem potencial para desencadear o despertar espiritual prematuro de uma pessoa. Afinal de contas, não acontece nada que não deva acontecer, isto é, tudo o que ocorre faz parte do todo maior e do seu propósito. Assim, a destruição, ou a ruptura, do propósito exterior pode levar uma pessoa a descobrir seu propósito interior e, em seguida, um propósito exterior mais profundo que esteja alinhado com o interior. As crianças que passam por muito sofrimento costumam se transformar em adultos jovens mais amadurecidos para sua idade.

  •  O que perdemos no nível da forma ganhamos no nível da essência. Na figura tradicional do "profeta cego" ou do "curandeiro aleijado" das culturas e lendas antigas, uma grande perda ou incapacidade no nível da forma converte- se numa abertura para o espírito. Quando alguém tem uma experiência direta da natureza instável de todas as formas, provavelmente nunca mais vai supervalorizar a forma e, assim, se perder por sua busca cega ou vincular-se a ela. 

  •  A cultura contemporânea está apenas começando a reconhecer a oportunidade que a dissolução da forma, sobretudo a velhice, representa. Em relação à maioria das pessoas, essa chance ainda é tragicamente ignorada porque o ego se identifica com o movimento de retorno da mesma maneira como se identifica com o movimento de saída. O resultado disso é um endurecimento da concha egóica, uma contração em vez de uma abertura. O ego diminuído passa o resto dos seus dias se lamentando ou se queixando, preso ao medo ou à raiva, à autopiedade, à culpa, a acusações ou a outros estados negativos mentais e emocionais ou a estratégias evasivas, como se apegar a lembranças e falar e pensar sobre o passado.

  •  Quando o ego não está mais identificado com o movimento de retorno da vida de uma pessoa, a velhice ou a proximidade da morte torna-se o que se destina a ser: uma abertura para o reino espiritual. Conheci idosos que eram personificações vivas desse processo. Eles haviam se tornado radiantes. A forma do seu despertar se tornara transparente à luz da consciência.

  •  Na nova Terra, a velhice será universalmente reconhecida e valorizada como um período para o florescimento da consciência. Para aqueles que ainda estiverem perdidos nas circunstâncias externas da vida, será o momento de uma volta ao lar tardia, quando irão despertar para seu propósito interior. No caso de outras pessoas, representará a intensificação e o auge do processo do despertar.

Uma breve história da nossa vida


  • A ida do mundo em direção à sua forma manifestada e seu retorno ao não-manifestado - sua expansão e contração - são dois movimentos universais que podemos chamar de a saída de casa e a volta ao lar. Ambos se refletem em todo o universo de muitas maneiras, como na incessante expansão e contração do coração, assim como nos atos contínuos de inspirar e expirar. Também se revelam nos ciclos do sono e da vigília. Toda noite, sem sabermos, retornamos para a Origem não manifestada de toda a vida quando entramos no estágio do sono profundo, sem sonhos, e depois, revigorados, ressurgimos pela manhã.

  •  Esses dois movimentos, a saída e o retorno, estão também espelhados nos ciclos de vida de cada pessoa. A partir do nada, por assim dizer, "nós" de repente aparecemos neste mundo. O nascimento é seguido da expansão. Esse crescimento não é apenas físico - há também a ampliação do conhecimento, das atividades, dos bens, das experiências. Nossa esfera de influência se alarga e a vida se torna cada vez mais complexa. Esse é o momento em que estamos especialmente preocupados em encontrar ou perseguir nosso propósito exterior. Em geral, há um aumento correspondente do ego, que é a identificação com todas aquelas coisas que mencionei. Com isso, a identidade da nossa forma torna-se cada vez mais definida. Esse é ainda o período em que o propósito exterior - o crescimento - costuma ser usurpado pelo ego, que, ao contrário da natureza, não sabe quando parar na sua busca por expansão e tem um apetite voraz por mais. 

  •  Assim, justamente quando pensamos que conseguimos o que queremos ou que pertencemos a este lugar, o movimento de retorno começa. Talvez as pessoas próximas a nós, as que fazem parte do nosso mundo, comecem a morrer. Nossa forma física se enfraquece, nossa esfera de influência encolhe. Em vez de nos tornarmos mais, passamos a ser menos, e o ego reage a isso com crescente ansiedade ou depressão. E o início do movimento de contração do nosso mundo, e podemos achar que não temos mais o controle sobre ele. Em vez de agirmos sobre a vida, agora é ela que age sobre nós, reduzindo pouco a pouco nosso mundo. A consciência que se identificava com a forma está vivenciando o ocaso, a dissolução da forma. Então, um dia, nós também desaparecemos. Nossa poltrona continua no lugar. Porém, já não nos sentamos mais nela - ali existe somente um espaço vazio. Voltamos para o lugar de onde partimos apenas alguns anos antes. 

  •  A vida de cada pessoa - de cada forma de vida, na verdade -representa um mundo, um modo exclusivo pelo qual o universo sente a si mesmo. E, quando nossa forma se dissolve, um mundo chega ao fim - um dos incontáveis mundos.

Uma nova Terra


  • Os astrônomos descobriram evidências para sugerir que o universo começou a existir 15 bilhões de anos atrás numa explosão gigantesca e que vem se expandindo desde então. Além disso, sua complexidade está aumentando, o que o torna cada vez mais diferenciado. Alguns cientistas postulam também que esse movimento da unidade para a multiplicidade acabará se revertendo. O universo vai parar de se expandir e começará a se contrair outra vez até, finalmente, retornar ao não-manifestado, à condição do nada de onde veio - e talvez repita os ciclos de nascimento, expansão, contração e morte por vezes seguidas. Com que propósito? "Afinal, por que o universo se dá a todo esse trabalho de existir?", pergunta o físico Stephen Hawking, compreendendo, ao mesmo tempo, que nenhum modelo matemático jamais poderia fornecer a resposta. 

  •  Se olharmos para dentro e não apenas para fora, porém, descobriremos que possuímos um propósito interior e outro exterior. E, como somos um reflexo microcósmico do macrocosmo, podemos admitir que o universo também tem um propósito interior e outro exterior inseparáveis dos nossos. Seu propósito exterior é criar formas e vivenciar sua interação - o sonho, o jogo, a encenação, seja lá como for que você prefira chamar isso. Seu propósito interior é despertar para sua própria essência sem forma. Em seguida, vem a reconciliação entre os propósitos exterior e interior: levar essa essência - consciência - para o universo das formas e, desse modo, transformar o mundo. O propósito supremo dessa mudança vai muito além de tudo o que a mente humana consegue imaginar ou compreender. E, ainda assim, neste planeta, neste momento, essa transformação é a tarefa que nos cabe. Ou seja, é a harmonização dos dois propósitos, exterior e interior - do mundo com Deus.

  •  Antes de considerarmos a relevância que a expansão e a contração do universo têm sobre nossa vida pessoal, precisamos ter em mente que nada que é dito sobre a natureza do universo deve ser considerado como verdade absoluta. Nem os conceitos nem as fórmulas matemáticas podem explicar o infinito. Nenhum pensamento é capaz de conter a vastidão da totalidade. A realidade é um todo unificado, entretanto o pensamento a divide em fragmentos. Isso causa erros básicos de interpretação - por exemplo, de que existem coisas e acontecimentos separados ou que isto é a causa daquilo. Todo pensamento pressupõe uma perspectiva, enquanto toda perspectiva, pela sua própria natureza, implica limitação, o que, em última análise, significa que não é verdadeira, pelo menos não absolutamente. Apenas o todo é verdadeiro, porém o todo não pode ser expresso em palavras nem em pensamentos. De uma perspectiva distante das limitações do pensamento e, portanto, incompreensível à mente humana, tudo está acontecendo agora. Tudo o que sempre foi ou o que será existe agora, fora do tempo, que é uma construção mental.

  •  Como exemplo de verdade relativa e absoluta, considere o nascer e o pôr-do-sol. Quando dizemos que o Sol nasce de manhã e se põe ao entardecer, isso é verdade, porém apenas relativamente. Em termos absolutos, é falso. Somente da limitada perspectiva de um observador que esteja na superfície da Terra ou próximo a ela é que o Sol nasce e se põe. Se ele estivesse distante no espaço, veria que o Sol não faz uma coisa nem outra, mas que brilha sem parar. No entanto, mesmo depois de compreendermos isso, podemos continuar a nos referir ao nascer e ao pôr-do-sol, a apreciar sua beleza, a pintá-los, a escrever poemas sobre eles, embora agora saibamos que essa é uma verdade relativa, e não absoluta. 

  •  Assim, vou me estender por um momento sobre outra ver-dade relativa: a constituição da forma do universo e seu retorno ao estado sem forma, o que pressupõe a perspectiva limitada do tempo, e observar que relevância isso tem sobre nossa vida pessoal. O conceito "minha própria vida" é, evidentemente, outra perspectiva limitada pelo pensamento, mais uma verdade relativa. Em última análise, não existe nada como "minha", "sua" ou "nossa" vida, uma vez que nós e a vida não estamos separados, somos um.

Um diálogo sobre o propósito interior


  • O diálogo a seguir condensa uma série de conversas que tive com pessoas que estavam buscando o propósito da própria vida. Algo é verdadeiro quando faz eco ao que existe no íntimo do nosso Ser e o expressa, isto é, quando está alinhado com nosso propósito interior. É por isso que, primeiro, dirijo a atenção delas para seu propósito interior e primário.

  •  Não sei exatamente o que seria, mas desejo uma mudança na minha vida. Quero crescer, fazer alguma coisa significativa e, sim, almejo a prosperidade e a liberdade que ela traz. Tenho vontade de realizar algo importante, uma coisa que faça diferença no mundo. Mas, se você me perguntar o que é isso, não sei dizer. Você pode me ajudar a descobrir o propósito da minha vida?

  •  Seu propósito é se sentar aqui e conversar comigo, porque é onde você está e é o que está fazendo. Até que se levante e se ocupe de outra coisa. Então aquilo se tornará seu propósito. Então meu propósito é me sentar no meu escritório pelos próximos 30 anos até me aposentar ou ser posto para fora?

  •  Você não está no seu escritório agora, portanto esse não é seu propósito. Quando você se senta lá e faz qualquer coisa que seja, esse é seu propósito. Não para os próximos 30 anos, mas naquele momento.

  •  Acho que existe um mal-entendido neste caso. Para você, propósito corresponde ao que estou fazendo agora, enquanto para mim significa ter um objetivo global na vida, algo grande e importante que dê sentido ao que eu realizo, alguma coisa que faça diferença. E isso não é ficar lidando com papéis no escritório. Eu sei disso.

  •  Enquanto estiver inconsciente do Ser, você buscará o significado apenas dentro da dimensão do fazer e no futuro, ou seja, na dimensão do .tempo. E qualquer coisa significativa ou satisfatória que encontre vai se dissolver ou se revelar uma decepção. Provavelmente, será destruída pelo tempo. Todo sentido que descobrimos nesse nível só é verdadeiro de modo relativo e temporário.

  •  Por exemplo, se cuidar dos seus filhos dá sentido à sua vida, o que acontecerá com esse significado quando eles não precisarem mais de você e talvez nem sequer o escutem mais? Se ajudar as pessoas dá significado à sua vida, você depende do fato de que elas sejam piores do que você para que sua vida continue a ter sentido e você possa se sentir bem em relação a si mesmo. Suponha que o desejo de ser bem-sucedido ou o melhor em determinada atividade lhe proporcione significado. O que acontecerá se você nunca conseguir vencer ou se seu sucesso acabar um dia? Terá que recorrer à sua imaginação ou às lembranças -coisas muito insatisfatórias para dar sentido à sua vida. "Sair-se bem" em qualquer campo só terá valor se existirem milhares ou milhões de outros indivíduos que não consigam ter êxito. Portanto, você precisará que outros seres humanos "fracassem" para que sua vida possa ter significado. 

  •  Não estou dizendo que ajudar os outros, cuidar dos filhos e se esforçar para ser o melhor numa área sejam coisas que não valham a pena. Para muitas pessoas, elas são uma parte importante do seu propósito exterior, porém esse propósito sozinho é sempre relativo, instável e transitório. Em todo caso, isso não quer dizer que você não deva se envolver nessas atividades, mas que precisa ligá-las a seu propósito primário, interior, para que um sentido profundo flua para aquilo que você faz. 

  •  Se você vive sem estar alinhado com seu propósito primário, qualquer que seja o propósito que estabeleça para sua vida, até mesmo o de criar o Céu na Terra, será propriedade do ego ou acabará destruído pelo tempo. Cedo ou tarde, ele levará ao sofrimento. Caso você ignore seu propósito interior, não importa o que faça, mesmo que seja algo aparentemente espiritual, o ego vai se instalar no modo como você o executa, e assim o meio corromperá o fim. O ditado "O caminho para o inferno é pavimentado com boas intenções" aponta para essa verdade. Em outras palavras, nem seus objetivos nem suas ações são primários, somente o estado de consciência que os acompanha. A satisfação do propósito primário estabelece a base para uma nova realidade, uma nova Terra. Depois que esse alicerce passa a existir, seu propósito exterior se torna carregado de poder espiritual porque seus objetivos e suas intenções estarão unidos ao impulso evolucionário do universo.

  •  A separação entre o pensamento e a consciência, que está no centro do seu propósito primário, acontece através da negação do tempo. Não estou falando, é claro, do tempo usado para fins práticos, como marcar uma consulta. Não se trata do tempo do relógio, mas do tempo psicológico, que é o hábito arraigado da mente de buscar a plenitude da vida no futuro, onde não pode ser encontrada, e ignorar o único ponto de acesso a ela: o momento presente.

  •  Quando vê aquilo que está fazendo ou o lugar em que está como o propósito principal da sua vida, você nega o tempo. Isso lhe dá um poder imenso. A negação do tempo naquilo que está sendo realizado também fornece a ligação entre seus propósitos interior e exterior, entre ser e fazer. Sempre que nega o tempo, você nega o ego. Não importa a atividade que esteja executando, você a desenvolverá extraordinariamente bem porque o fazer em si passa a ser o ponto focal da sua atenção. Sua ação se torna então um canal pelo qual a consciência entra no mundo. Isso significa que existe qualidade no que você faz, mesmo no ato mais simples, como virar as páginas do catálogo telefônico ou atravessar a sala. O propósito principal de virar as páginas é virar as páginas; o propósito secundário é encontrar um número de telefone. O propósito principal de atravessar a sala é atravessar a sala; o propósito secundário é apanhar um livro na outra extremidade - e, no instante em que você o pega, isso se torna seu propósito principal. 

  •  Você deve estar lembrado do paradoxo do tempo que mencionei: qualquer coisa que façamos requer tempo; ainda assim, é sempre agora. Então, enquanto seu propósito interior é negar o tempo, seu propósito exterior envolve necessariamente o futuro e, assim, este último não poderia existir sem o tempo. Mas ele é sempre secundário. Toda vez que você fica ansioso ou estressado, isso mostra que o propósito exterior assumiu o controle e que você perdeu o propósito interior de vista. Terá se esquecido de que seu estado de consciência é primário, e todo o resto, secundário. Viver assim não me impediria de pretender alcançar algo importante? Meu medo é passar o resto da vida fazendo coisas pequenas, atividades que não têm nenhuma relevância. Tenho receio de jamais superar a mediocridade, de nunca ousar conquistar algo grandioso, de não satisfazer meu potencial.

  •  Aquilo que é notável surge das pequenas coisas que são dignificadas e tratadas com atenção. A vida de todos nós consiste, sem dúvida, em pequenas coisas. A grandiosidade é uma abstração mental e a fantasia favorita do ego. O paradoxo é que a base para alcançá-la é o respeito pelas pequenas coisas do momento presente, e não a perseguição da idéia de grandeza. O momento presente é sempre pequeno no sentido de que é simples, mas, escondido dentro dele, está o poder maior. Assim como o átomo, ele é uma das menores coisas, no entanto é extraordinariamente poderoso. Nós só temos acesso a esse poder quando nos alinhamos com o momento presente. Talvez seja mais apropriado dizer que ele tem acesso a nós e, por nosso intermédio, ao mundo. Jesus estava se referindo a esse poder quando afirmou: "De mim mesmo não posso fazer coisa alguma" e "Não credes que estou no Pai e que o Pai está em mim? As palavras que vos digo não as digo de mim mesmo; mas o Pai, que permanece em mim, é que realiza as suas próprias obras".1 Ansiedade, tensão contínua e negativismo nos tiram essa força. A ilusão de que estamos separados do poder que conduz o universo retorna. Outra vez nos sentimos sozinhos, lutando contra algo ou tentando alcançar um objetivo qualquer. Contudo, o que desencadeou a ansiedade, a tensão ou o negativismo? Nosso afastamento do momento presente. E por que fizemos isso? Porque pensamos que outra coisa era mais importante. Acabamos por nos esquecer do propósito primário. Um pequeno erro, uma interpretação equivocada... um mundo de sofrimento.

  •  O momento presente garante nosso acesso ao poder da vida propriamente dito, aquele que tem sido chamado de "Deus". Assim que nos distanciamos dele, Deus pára de ser uma realidade para nós e tudo o que nos resta é o conceito mental de Deus, algo em que algumas pessoas acreditam, mas que é negado por outras. Até mesmo a crença Nele não passa de um precário substituto da Sua realidade viva que se manifesta a cada momento na nossa vida. 

  •  A total harmonia com o momento presente não requer a cessação de todo movimento? Sendo assim, talvez a existência de qualquer meta implique uma ruptura temporária dessa harmonia com o momento presente e seu restabelecimento num nível superior ou mais complexo depois que o objetivo é alcançado. Imagino que nem o broto que cresce a partir do sob se mantém inteiramente alinhado com o momento presente porque ele tem uma meta: quer se tornar uma árvore. Pode ser que depois de atingir a maturidade ele viva em harmonia com o momento presente.

  •  O broto não quer nada porque ele e a totalidade são uma coisa só, e a totalidade age por meio dele. "...Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam. Entretanto, eu vos digo que o próprio Salomão, no auge de sua glória, não se vestiu como um deles."2 Poderíamos dizer que a totalidade - a Vida -quer que o broto se torne uma árvore, no entanto ele não se vê separado da vida e, assim, não deseja nada para si. O broto e o que a Vida quer estão unificados. É por isso que ele não está preocupado nem estressado. E, se tiver que morrer prematuramente, morrerá com tranqüilidade. Será tão resignado na morte quanto foi na vida. Ele sente, por mais obscuro que isso pareça, que está enraizado no Ser, a Vida Única sem forma e eterna

  • . Assim como os antigos sábios taoístas da China, Jesus gosta de chamar nossa atenção para a natureza porque a vê sob a ação de uma força com a qual as pessoas perderam contato - o poder criativo do universo. Ele prossegue dizendo que, se Deus veste simples flores com tamanha beleza, então podemos imaginar que Ele nos vestirá com muito mais. Ou seja, embora a natureza seja uma maravilhosa expressão do impulso evolucionário do universo, quando os seres humanos se tornam alinhados com a inteligência que está por trás deles, manifestam esse mesmo impulso num nível superior e ainda mais esplendoroso. 

  •  Portanto, seja verdadeiro em relação à vida sendo verdadeiro em relação ao seu propósito interior. Quando você se torna presente e, portanto, permanece por inteiro naquilo que faz, suas ações ficam carregadas de energia espiritual. A princípio, pode não haver uma mudança notável no que você realiza, mas apenas no seu modo de execução. Seu propósito primário agora é permitir que a consciência penetre no que você faz. O propósito secundário é tudo o que você alcançar por meio do fazer. Se antes a noção de propósito estava sempre associada ao futuro, agora existe um propósito mais profundo que só pode ser encontrado no presente, pela negação do tempo. 

  •  Quando se encontrar com as pessoas, no trabalho ou em qualquer outro lugar, dê a elas o máximo de atenção. Você já não estará ali como um indivíduo, e sim como um campo de consciência, de presença alerta. O motivo original da sua interação com o outro - comprar ou vender alguma coisa, pedir ou dar informações, por exemplo - é agora secundário. O campo de consciência que se forma entre vocês se estabelece como o propósito primário da interação. Esse espaço de consciência adquire uma relevância muito maior do que qualquer assunto sobre o qual vocês possam estar falando e do que os objetos físicos ou imaginados. O Ser humano passa a ser mais importante do que as coisas deste mundo. Isso não significa que você vá se descuidar do que precisa ser feito no nível prático. Na verdade, a execução das coisas não só fica mais fácil como se desenrola com mais energia quando a dimensão do Ser é reconhecida e, assim, se torna primária. O surgimento desse campo unificado de consciência entre as pessoas é o fator essencial dos relacionamentos na nova Terra.

  •  A noção de sucesso é apenas uma ilusão do ego? Como podemos medir o verdadeiro sucesso? 

  •  O mundo lhe dirá que o sucesso é alcançar o que você se propôs fazer. E isso o fará crer que o sucesso é vencer, que o reconhecimento e/ou a prosperidade são ingredientes essenciais do êxito. No entanto, todos ou alguns desses conceitos costumam ser apenas subprodutos do sucesso. A noção convencional do sucesso refere-se ao resultado daquilo que fazemos. Alguns dizem que ele é o efeito de uma combinação de muito trabalho e sorte, de determinação e talento ou de estarmos no lugar certo na hora certa. Embora esses elementos possam ser fatores determinantes do sucesso, eles não são sua essência. O que o mundo não lhe diz - porque ele não sabe - é que você não pode se tornar alguém bem-sucedido. Você só pode ser bem- sucedido. Não permita que um mundo louco lhe diga que o sucesso é alguma coisa diferente de um momento presente pleno de êxito. E o que é isso? Existe um sentido de qualidade no que você faz, até mesmo no gesto mais simples. Qualidade pressupõe cuidado e atenção, elementos que acompanham a consciência. A qualidade requer sua presença.

  •  Digamos que você seja um empresário e que, depois de dois anos de muita tensão e preocupações, finalmente consegue oferecer um produto ou serviço que vende bem e dá lucro. Sucesso? Em termos convencionais, sim. Mas, na realidade, você passou dois anos poluindo seu corpo, assim como a Terra, com energia negativa, causou sofrimento a si mesmo e às pessoas ao seu redor e afetou muita gente que nem sequer chegou a conhecer. O pressuposto inconsciente por trás de toda ação desse tipo é que o sucesso é um acontecimento do futuro e que o fim justifica os meios. Contudo, o fim e os meios são uma coisa só. E, se os meios não contribuírem para a felicidade humana, tampouco o fim fará isso. O resultado, que é inseparável dos atos que o tornaram possível, já está contaminado por eles e, assim, criará mais infelicidade. Isso é ação cármica, que é a perpetuação inconsciente da infelicidade.

  •  Como você já sabe, seu propósito secundário, ou exterior, situa-se na dimensão do tempo, enquanto seu propósito principal é inseparável do Agora e, portanto, requer a negação do tempo. Como eles podem ser reconciliados? Compreendendo que a jornada de toda a sua vida consiste, em última análise, no passo que você está dando no momento presente. Dessa forma, dirigirá a ele sua máxima atenção. Isso não significa que você não saiba aonde pretende chegar, mas apenas que esse passo é primário, enquanto seu destino é secundário. E aquilo que você vai encontrar quando alcançar seu destino dependerá da qualidade desse primeiro passo. Outra maneira de considerar esse ponto: o que o futuro lhe reserva é fruto do seu estado de consciência agora.

  •  O sucesso ocorre quando o fazer é investido da qualidade perene do Ser. A menos que o Ser flua para o fazer, a não ser que esteja presente, você se perde em qualquer coisa que faça. E também no pensamento, assim como nas suas reações ao que acontece externamente. O que você quer dizer exatamente com "você se perde"? 

  •  A essência de quem nós somos é a consciência. Quando ela (você) estabelece uma completa identificação com o pensamento e assim se esquece da sua natureza essencial, acaba se perdendo no pensamento. Toda vez que se identifica com as formações mentais e emocionais, como o desejo e o temor - as forças motivadoras primárias do ego -, ela desaparece nessas formações. Isso também ocorre sempre que a consciência se identifica com a ação e a reação ao que acontece. Todos os pensamentos, desejos e medos, bem como todas as ações e reações, são então impregnados de um falso sentido do eu que, por ser incapaz de sentir a alegria simples do Ser, busca o prazer e, algumas vezes, até mesmo a dor, como substitutos desse contentamento. Isso é viver num estado de esquecimento do Ser, de quem nós somos. Assim, todo sucesso não é mais do que uma ilusão passageira. Não importa o que conquistemos, logo estaremos infelizes outra vez ou um novo problema ou dilema absorverá nossa atenção inteiramente.

  •  De que maneira eu passo da compreensão do meu propósito interior para a descoberta do que devo fazer no nível exterior?

  •  O propósito exterior varia significativamente de pessoa para pessoa e nunca dura para sempre. Ele é submetido ao tempo e depois é substituído por outro propósito. A extensão em que as circunstâncias externas da vida são modificadas pela dedicação ao propósito interior do despertar também varia bastante. No caso de alguns indivíduos ocorre um rompimento repentino ou gradual com o passado. Seu trabalho, sua condição de vida, seus relacionamentos, tudo isso passa por uma profunda transformação. Às vezes, eles próprios dão início a certas mudanças que, em vez de envolverem um doloroso processo de tomada de decisão, surgem de uma compreensão ou de um reconhecimento súbito: "é isto o que eu preciso fazer". É como se suas decisões fossem, digamos, pré-fabricadas. Elas chegam através da consciência, e não do pensamento. A pessoa acorda numa manhã e sabe o que fazer. Há quem se surpreenda abandonando um ambiente de trabalho ou uma condição de vida hostil e sem sentido. Assim, antes de descobrir o que é certo para você no nível exterior, de detectar o que funciona, o que é compatível com a consciência desperta, talvez você precise identificar o que não está correto, o que já não produz efeito, o que não se harmoniza com seu propósito interior.

  •  Outros tipos de mudança podem lhe acontecer de repente a partir do exterior. Um encontro casual traz uma nova oportunidade e uma possibilidade de expansão para sua vida. Um obstáculo ou conflito de longa data se dissolvem. Seus amigos ou passam por essa transformação interior com você ou desaparecem da sua vida. Alguns relacionamentos terminam, outros se aprofundam. Você pode ser demitido da empresa ou se tornar um agente de mudanças positivas no local de trabalho. Seu cônjuge o deixa ou vocês chegam a um novo nível de intimidade. Alguns desses fatos talvez pareçam negativos na superfície, porém você logo compreende que um espaço está sendo criado na sua vida para o surgimento de algo novo.

  •  Poderá haver um período de insegurança e incerteza. "O que eu devo fazer?" Como o ego deixou de controlar sua vida, a necessidade psicológica de segurança externa, que é ilusória de qualquer maneira, diminui. Você se torna capaz de viver com a incerteza e até de gostar dela. Com isso, infinitas possibilidades se abrem à sua frente. Isso mostra que o medo já não é um fator dominante no que você faz e não o impede mais de tomar atitudes para iniciar a mudança. O filósofo romano Tácito observou com toda a propriedade que "o desejo de segurança é um obstáculo a todo grande e nobre empreendimento". Se a incerteza é inaceitável para você, ela se transforma em medo. Caso seja perfeitamente aceitável, ela vai aumentando aos poucos sua animação, seu estado de alerta e sua criatividade. 

  •  Muitos anos atrás, seguindo um forte impulso interior, abandonei uma carreira acadêmica que o mundo teria chamado de "promissora" e, assim, ingressei na mais completa incerteza. Disso se originou minha nova encarnação como mestre espiritual tempos depois. Algo semelhante aconteceu de novo bem mais tarde. Também por causa de um impulso, abandonei minha casa na Inglaterra e me mudei para a Costa Oeste dos Estados Unidos. Obedeci a esse impulso, embora desconhecesse sua razão. Dessa opção pela incerteza surgiu meu livro 0 Poder do Agora, que em sua maior parte foi escrito na Califórnia e em British Columbia, no Canadá. Nessa época, eu não tinha casa própria nem recebia salário, vivia de economias, que foram se esgotando com a maior rapidez. Na verdade, tudo se encaixou maravilhosamente. Fiquei sem dinheiro no exato momento em que estava acabando de escrever o livro. Comprei um bilhete de loteria e ganhei mil dólares, o que me garantiu o sustento por mais um mês. 

  •  Nem todas as pessoas, porém, passam por uma mudança tão drástica no que diz respeito às circunstâncias externas. Na outra extremidade do espectro há indivíduos que permanecem exatamente onde estão e continuam fazendo a mesma coisa de sempre. Para eles, apenas o como muda, e não o quê. E não por medo ou inércia. O que eles estão realizando já é um veículo perfeito para a consciência entrar no mundo, e ela não precisa de outro. Essas pessoas também contribuem para a manifestação da nova Terra. Isso não deveria acontecer com todo mundo? Se satisfazer nosso propósito interior é estarmos alinhados com o momento pensante, por que alguém deveria sentir necessidade de abandonar seu trabalho ou sua condição de vida atual? Estar alinhado com o que é não significa que a pessoa não vá iniciar a mudança nem que se torne incapaz de agir. A motivação para tomar atitudes, no entanto, vem de um nível mais profundo, e não do desejo nem do medo próprios do ego. O ajuste interior com o momento presente abre a consciência e a coloca em sintonia com o todo, do qual o Agora é parte integrante. O todo, a totalidade da vida, entra assim em ação por intermédio do indivíduo. 

  •  O que você quer dizer com o todo? Por um lado, o todo compreende tudo o que existe. É o mundo ou o cosmo. Entretanto, todas as coisas existentes, dos micróbios aos seres humanos e às galáxias, não são realmente coisas, ou entidades separadas - elas constituem parte de uma teia de processos multidimensionais interligados. 

  •  Nós não reconhecemos essa unidade, isto é, só vemos as coisas como elementos isolados. Isso ocorre por duas razões. Uma delas é a percepção, que reduz a realidade àquilo a que temos acesso por meio da pequena extensão dos nossos sentidos: o que podemos ver, ouvir, cheirar, provar e tocar. No entanto, quando somos capazes de perceber sem interpretar ou rotular mentalmente, ou seja, sem acrescentar o pensamento às percepções, conseguimos sentir de fato a interconexão mais profunda sob a percepção da aparente separação das coisas. 

  •  A outra razão mais séria para a ilusão da separação é o pensamento compulsivo. Quando estamos presos a fluxos incessantes de pensamento compulsivo, de fato o universo se desintegra para nós e perdemos a capacidade de sentir a interconexão entre tudo o que existe. O pensamento desmembra a realidade em fragmentos sem vida. Dessa visão fracionada se originam ações extremamente insensatas e destrutivas.

  •  Entretanto, existe um nível ainda mais profundo do todo que é a interconexão de tudo o que existe. Nele todas as coisas são uma só. Isso é a Origem, a Vida não manifestada. É a inteligência infinita que se expressa como um universo se desdobrando no tempo.

  •  O todo é constituído da existência e do Ser, o manifestado e o não- manifestado, o mundo e Deus. Assim, ao nos alinharmos com o todo, nos tornamos uma parte consciente da sua interconexão e do seu propósito: o surgimento da consciência no mundo. Por causa disso, incidentes favoráveis, encontros casuais, coincidências e acontecimentos sincrônicos ocorrem com muito mais freqüência. Carl Jung chamou a sincronicidade de "princípio não causal de conexão". Isso significa que não existe ligação causal entre eventos sincrônicos no nível superficial da realidade. Trata-se de uma manifestação exterior de uma inteligência subjacente por trás do mundo das aparências e de uma conectividade mais profunda que nossa mente não é capaz de entender. Mas podemos ser participantes conscientes do desdobramento dessa inteligência, a consciência florescente. 

  •  A natureza existe num estado de unificação inconsciente com o todo. Foi por isso, por exemplo, que praticamente nenhum animal selvagem morreu durante o catastrófico tsunami de 2004. Como eles estão mais em contato com a totalidade do que os seres humanos, conseguiram sentir a aproximação da onda muito tempo antes de ela ser vista ou ouvida e, assim, tiveram chance de se deslocar para um terreno mais elevado. E provável que eles tenham apenas se visto partindo para um lugar mais alto. Fazer isto por causa daquilo é o modo como a mente humana fragmenta a realidade, enquanto a natureza vive na unificação inconsciente com o todo. E nosso propósito e destino trazer uma nova dimensão para este mundo vivendo no estado de unificação consciente com a totalidade e num alinhamento consciente com a inteligência universal.

  •  O todo pode usar a mente humana para criar coisas ou produzir situações que estão alinhadas com seu propósito? Sim, sempre que existe inspiração, que significa "em espírito", e entusiasmo, que quer dizer "em Deus", está em ação um poder criativo que vai muito além do que uma simples pessoa é capaz.

O Despertar


  • O despertar é uma mudança no estado de consciência que ocorre com a separação entre pensamento e consciência. No caso da maioria das pessoas, isso não é um acontecimento, mas um processo pelo qual elas passam. Até mesmo aqueles raros seres que experimentam um súbito, radical e aparentemente irreversível despertar passam por um processo no qual o novo estado de consciência flui de modo gradual, transformando tudo o que eles fazem e, assim, vai se integrando à sua vida. 

  •  Em vez de ficarmos perdidos em nossos pensamentos, quando estamos despertos reconhecemos a nós mesmos como a consciência por trás deles. O pensamento deixa de ser uma atividade autônoma que se apossa de nós e conduz nossa vida. A consciência assume o controle sobre ele. O pensamento perde o domínio da nossa vida e se torna o servo da consciência, que é a ligação consciente com a inteligência universal. Outra palavra para ela é presença: consciência sem pensamento.

  •  A iniciação do processo do despertar é um ato de graça. Não podemos fazer com que ela aconteça, nem nos preparar para ela, nem acumular méritos para alcançá-la. Não existe uma seqüência precisa de passos lógicos que leve nessa direção, embora a mente fosse adorar isso. Também não precisamos nos tornar dignos primeiro. Ela pode acontecer a um pecador antes de chegar a um santo, mas não necessariamente. É por isso que Jesus se envolveu com todos os tipos de pessoas, e não só com as respeitáveis. Não existe nada que possamos fazer quanto ao despertar. Qualquer ação da nossa parte será o ego tentando acrescentar o despertar ou a iluminação a ele mesmo como seu bem mais precioso e, assim, se mostrando como mais importante e maior. Nesse caso, em vez de despertarmos, acrescentamos o conceito do despertar à nossa mente, ou a imagem mental de como se parece uma pessoa desperta, ou iluminada, e depois procuramos adotar esse modelo. Assumir essa imagem, seja ela criada por nós ou pelos outros, é viver sem autenticidade - outro papel inconsciente que o ego representa. 

  •  Portanto, se não existe nada que possamos fazer quanto ao despertar - independentemente de já ter acontecido ou não -, como ele pode ser o propósito primário da nossa vida? Não existe a idéia implícita de que podemos fazer alguma coisa em relação ao propósito?

  •  Apenas o primeiro despertar, o lampejo inicial da consciência sem pensamento, acontece por graça, sem nenhum gesto da nossa parte. Se você considera este livro incompreensível ou sem significado, é porque isso ainda não lhe aconteceu. No entanto, caso algo em seu interior responda a ele - se você, de alguma forma, reconhece a verdade nele -, isso significa que o processo do despertar já está em andamento. Depois dessa etapa inicial, não poderá ser revertido, embora possa ser retardado pelo ego. No caso de algumas pessoas, esta leitura desencadeia o processo do despertar. Em relação a outras, a função deste livro é ajudá-las a reconhecer que já começaram a despertar e, assim, intensificar e acelerar esse processo. Este livro também auxilia no reconhecimento do ego sempre que ele tenta recuperar o controle e obscurecer a consciência que está surgindo. Alguns indivíduos experimentam o despertar quando, subitamente, se tornam conscientes dos tipos de pensamentos que costumam ter, sobretudo os negativos e persistentes, com os quais podem ter se identificado durante toda a vida. De repente, há uma consciência que está consciente do pensamento, mas não é parte dele.

  •  Qual a relação entre consciência e pensamento? Consciência é o espaço em que os pensamentos existem quando esse espaço já se tornou consciente de si mesmo.

  •  Quando temos um lampejo de consciência ou presença, reconhecemos isso de imediato. Não se trata mais de um simples conceito na nossa mente. Então, somos capazes de fazer a escolha consciente de nos manter presentes em vez de nos entregar ao pensamento inútil. Podemos convidar a presença para nossa vida, isto é, criar espaço. Com a graça do despertar vem a responsabilidade. Temos a opção de continuar em frente como se nada tivesse ocorrido ou ver a importância disso e reconhecer o despertar da consciência como a coisa mais importante que pode nos acontecer. Estarmos abertos à consciência emergente e atrair sua luz para o mundo torna-se então o propósito primário da nossa vida. "Quero conhecer a mente de Deus. O resto são detalhes", disse Einstein. O que é a mente de Deus? Consciência. O que significa conhecer a mente de Deus? Estarmos conscientes. Quais são os detalhes? Nosso propósito exterior e qualquer coisa que aconteça no mundo externo. 

  •  Portanto, enquanto talvez ainda estejamos esperando que algo especial surja na nossa vida, podemos não perceber que a coisa mais importante que pode acontecer a um ser humano já ocorreu em nosso interior: o início da separação entre o pensamento e a consciência.

  •  Muitas pessoas que estão passando pelos estágios iniciais do despertar já não sabem mais com certeza qual é seu propósito exterior. O que move o mundo não as move mais. Reconhecendo com tanta clareza a loucura da nossa civilização, elas podem se ver de certa forma alienadas da cultura ao seu redor. Algumas sentem que habitam uma terra de ninguém entre dois mundos. Elas não são mais conduzidas pelo ego, mesmo que a consciência emergente ainda não tenha se tornado plenamente integrada à sua vida. Os propósitos interior e exterior não se fundiram.

Nosso propósito interior


  • Tão logo superamos a preocupação com a mera sobrevivência, a questão do sentido e do propósito se torna de capital importância para nós. Muitas pessoas se sentem aprisionadas nas rotinas do cotidiano, que parecem privar sua vida de significado. Algumas acreditam que a vida está passando ou já passou por elas. Outras se vêem profundamente limitadas pela necessidade de trabalhar e cuidar da família ou por sua condição financeira ou de vida. Há indivíduos que são devastados por um estresse agudo, enquanto outros se consomem num imenso tédio. Há quem esteja envolvido numa atividade frenética e quem se veja perdido na estagnação. Muita gente anseia pela liberdade e pelo crescimento que a prosperidade promete. Mas há pessoas que já desfrutam da relativa liberdade que acompanha a prosperidade e, mesmo assim, constatam que isso não é o bastante para dar um sentido completo à sua vida. Nada substitui a descoberta do verdadeiro propósito. No entanto, o significado genuíno, ou primário, da vida não pode ser encontrado no nível exterior. Ele não diz respeito ao que fazemos, e sim ao que somos - isto é, ao nosso estado de consciência. 

  •  Portanto, a coisa mais importante a entender é: nossa vida tem um propósito interior e um propósito exterior. O primeiro deles diz respeito a Ser e é primário. O segundo se refere a fazer e é secundário. Embora este livro trate principalmente do propósito interior, este capítulo e o seguinte indicam também como alinhar esses dois propósitos. O interior e o exterior, contudo, estão a tal ponto interligados que é quase impossível falar de um sem mencionar o outro.

  •  Nosso propósito interior é despertar. É simples assim. Nós o compartilhamos com todas as pessoas do planeta porque esse é o propósito da humanidade. O propósito interior de cada indivíduo é uma parte essencial do propósito do todo - do universo e ia sua inteligência emergente. Por outro lado, o propósito exterior pode mudar ao longo do tempo. Ele varia significativamente de pessoa para pessoa. Encontrar o propósito interior e viver alinhado com ele é o alicerce para a satisfação do propósito exterior. É a base para o verdadeiro sucesso. Sem esse alinhamento, até conseguimos alcançar determinadas metas por meio do esforço, da luta, da determinação e do puro trabalho intenso ou da esperteza e da habilidade. Mas não existe alegria nesses empreendimentos, e eles costumam acabar em alguma forma de sofrimento.